OBITUÁRIO LITERÁRIO
COM FIGURAS DE GATOS E RATOS
os ratos roeram a vida dos poetas
— livres do peso das letras, os estetas
em outras esferas escreverão, pois,
no cavo, vácuo profundo, sem voz, à foice
(esta persiana a zerar o ar dos distraídos),
não mais poemas, já que lidos os labirintos,
nada mais resta, nada, nem a quem se
amar ou refutar, não esfria, nem aquece,
a luta com palavras já não faz parte de
paixões ou razões puras, nenhum alarde,
nada de metáforas, nenhuma metonímia
— a menina de lá não dá mesmo a mínima.
os ratos, rudes e arrogantes orates,
gorjeiam na goela os corpos dos vates
e, ainda assim, nas estantes, talhados,
ficam os poemas — como nos telhados
gatos de gostos e colmilhos afiados, à leitura
nasal do rastro dos ratos, vigiam venturas.
de um pulo a outro salto, uma gangue
de gatos retalha a noite com sangue
de restos de ratos que das tripas, as tropas
de versos, vazam as mais soberbas sopas.
(do livro: Sangüínea. autor: Fabiano Calixto. editora: Editora 34.)
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